sexta-feira, 20 de abril de 2012

Megadeth: "satanismo é objeto de fascínio, não de reverência"

Desde seu surgimento, o heavy metal tem sido atacado por detratores por constantemente fazer uso de temáticas obscuras. Assuntos como morte, demônios e magia negra pautaram, e até hoje pautam, as letras de um bom número de bandas inseridas nas mais diversas correntes do estilo, atraindo tanto críticos quanto pessoas que, por algum motivo, se sentiram parte de uma onda anti-judaico-cristã. No entanto, o discurso de grande parte dos músicos desses grupos - muitas vezes sujeitos de grande religiosidade - dá a entender que a realidade nunca foi sequer próxima disso.


Dave Ellefson, baixista do quarteto que se apresenta no Metal Open Air, nesta sexta-feira, em São Luís (MA). Foto: Getty Images



"É realmente interessante, porque a impressão geral sobre o estilo é que ele é formado por adoradores do demônio", disse ao Terra, aos risos, Dave Ellefson, baixista do Megadeth, que se apresenta, nesta sexta-feira (20), na primeira noite do Metal Open Air, em São Luís (MA). "Mas de onde diabos veio tudo isso? Nos anos 1980, havia, sim, um fascínio pelo lado escuro, satanismo e tudo o mais, mas nenhum de nós reverencia o demônio ou faz sacrifícios. Ao menos eu sei que não fiz e não conheço ninguém que os tenha feito."
Assim como seu colega de turnês Dave Mustaine, vocalista e guitarrista do quarteto, Ellefson é justamente um dos músicos que fazem parte do grupo de metaleiros cumpridores de tradições religiosas. Criado no luteranismo, denominação protestante de grande popularidade nos EUA, o baixista vê graça na forma como o heavy metal - e o próprio rock - foi estereotipado ao longo dos anos e não vê hipocrisia em ser um representante do estilo ao mesmo tempo em que faz orações em alguma igreja. "Se você realmente leva uma vida de fé, as pessoas percebem e o respeitam muito mais do que se fica falando sobre isso o tempo todo. Ao mesmo tempo, não tento impor minhas opiniões aos outros. De fato, nunca havia falado a respeito do assunto até a imprensa começar a abordá-lo."
Entre polêmicas e temas mais descontraídos, sempre tratados com a mesma leveza e senso de humor, Ellefson falou sobre a atual realidade do mercado metaleiro, comparou a paixão do estilo na América do Sul à demonstrada por torcedores nas arquibancadas dos estádios brasileiros e, naturalmente, deu detalhes sobre a apresentação que o Megadeth fará na capital maranhense - classificada por ele como um triunfo na carreira da banda.
Leia a entrevista na íntegra a seguir:
Terra - É a terceira vez que o Megadeth vem ao Brasil em menos de um ano. O que a banda trará de novidade nesta passagem pelo País, na qual se apresenta no Metal Open Air, em São Luís (MA)?
Dave Ellefson - Sabe, tentamos adequar nossos set lists de show para show. Acho que, neste em particular, em um grande festival de heavy metal, com um line up de bandas que irá criar um ótimo clima para toda a comunidade do gênero, será uma ótima oportunidade para incluirmos mais canções de nosso último álbum,Thirteen, aliadas aos clássicos de nosso enorme catálogo de discos. Como tocaremos em uma cidade que não está acostumada a ver esse tipo de evento, também poderemos resgatar canções há muito ausentes de nossas apresentações, além de outras que deixamos de lado no festival (SWU, em Paulínia) de novembro. Vai ser divertido, pois é uma cidade totalmente nova para o Megadeth, uma região do Brasil em que nunca estivemos, e ter a oportunidade de gravar nosso nome cada vez mais nas diversas paisagens brasileiras é um triunfo para nós.
Terra - No ano passado, além do SWU, o Megadeth também tocou em casas de shows fechadas, para públicos menores. Há muita diferença entre os dois tipos de apresentação?
Ellefson - Acho que a única diferença é que, quando tocamos em lugares menores, mudamos nosso repertório com uma regularidade maior do que o fazemos nos grandes festivais. Isso porque há certos estilos de canções que funcionam melhor nesses casos, pois elas traduzem melhor e de forma mais convincente o peso do Megadeth em set lists longos. Em festivais, no entanto, elas tendem a se perder dependendo do tamanho da produção, do tempo disponível no palco. Prefiro muito mais tocar em festivais voltados especificamente para o heavy metal do que nos de mainstream, pois isso nos dá a oportunidade de apresentar o nosso melhor ao longo de duas horas.
Terra - Depois de tantas passagens pelo Brasil você desenvolveu alguma relação especial com os fãs do País ou com a cultura local?
Ellefson - Sim, nós tentamos. Preciso dizer que o português não é a língua mais fácil do mundo de se aprender, mas fazemos nosso melhor para entender algumas das palavras para poder conhecer seus gostos. Claro, é muito mais difícil do que no continente europeu, por exemplo, onde nossa imersão acaba sendo bem maior. Quando vamos ao Brasil é sempre por poucos dias - desta vez, estamos indo apenas para o festival. Também tem o fato de o Brasil ser um país imenso, por isso estamos tão empolgados para ir a um novo lugar. Sabe, ao longo dos anos, cobrimos grande parte do planeta Terra graças ao Megadeth, então é muito excitante ir a uma nova cidade.
Terra - O heavy metal é um estilo interessante: se você observar o conjunto de bandas que faziam sucesso há 30 anos, constatará o fato de elas serem basicamente as mesmas que hoje são as mais bem-sucedidas do gênero. No entanto, alguns desses representantes, como o Judas Priest, começam a anunciar suas aposentadorias, o que logo deve ocorrer com outros grandes nomes. Baseado nessa realidade, como você vê o futuro do heavy metal dentro de uma ou duas décadas?
Ellefson - Isso é a mais pura verdade. Toda a indústria do entretenimento está mudando e aqueles que começaram anos atrás, como nós, puderam aproveitar o rock´n´roll quando ainda era uma forma financeiramente viável de entretenimento. E não era só na música. Tudo era ligado ao máximo ao ramo do entretenimento: o visual, o som, as letras, o sentimento, os shows ao vivo. No caso do thrash metal, nós fomos a voz de toda uma geração de pessoas ao unir fãs de heavy metal e punk rock, antes inimigos, em um mesmo ambiente pela primeira vez na história, algo verdadeiramente cultural. Hoje, todos estão tentando vender algo às pessoas - principalmente com esses smart phones, que são mais inteligentes do que nós (risos) - e acabamos com uma certa dificuldade em ssaber para quem dar atenção. É exatamente por isso que bandas como Megadeth, Judas Priest, Iron Maiden, entre outras no mercado há anos, continuam prevalecendo: a competição do mercado pela atenção das pessoas é tanta que os novos artistas acabam em desvantagem, sem receber a devida atenção.
Terra - Nos anos 1980 não havia nenhum lugar mais prolífico para o heavy metal do que a Europa. Isso, no entanto, mudou na década seguinte, e os EUA passaram a ser o grande celeiro de bandas do gênero - algo que ocorreu também no início dos anos 2000. Baseado em suas turnês com o Megadeth e em seu entendimento do assunto, qual dos dois está mais forte hoje em dia?
Ellefson - Sendo bastante honesto, eu acho que a América do Sul é atualmente um dos mercados mais fortes do mundo. Em 1991, quando fomos ao continente pela primeira vez, para tocar no Rock in Rio, isso já era visível, mas era um festival muito grande, com bandas de estilos diversos. Em 1994, quando voltamos, o estilo havia crescido de uma forma impressionante e a América do Sul já se mostrava um mercado emergente. Na época, já ouvíamos que a América Latina amava heavy metal, amava o Megadeth, mas, quando vi a reação dos fãs nos shows, parecia que estávamos em um novo Japão: o público tinha um fanatismo pelo gênero que nunca havíamos visto em nenhum outro lugar! Acho que, quando você junta o fato de os latino-americanos serem um povo muito passional com a enorme rivalidade existente entre torcedores de futebol, acaba tendo o playground ideal para o heavy metal.
Terra - Você poderia me explicar melhor essa comparação entre futebol e heavy metal?
Ellefson - Oh, eles são tão perfeitos juntos. Na verdade, a paixão é exatamente a mesma. No futebol você tem seu time do coração, seu jogador favorito, e no heavy metal isso ocorre da mesma maneira - o cara tem a banda favorita, o músico predileto, conhece cada nota tocada pelos músicos, cada palavra cantada, todas as capas dos discos. Na América do Sul, onde esse amálgama encontra seu exemplo perfeito, as pessoas parecem não dar tanto valor para as tendências atuais e, justamente por isso, aparentam ser muito mais felizes com muito menos, com as coisas simples. Nos EUA, sempre vem alguém reclamar comigo sobre as dificuldades com a crise do capitalismo, a perda de dinheiro. E eu sempre digo: "é engraçado, porque viajo para vários lugares do mundo e vejo pessoas de outras culturas, às vezes com muito menos, muito mais felizes com suas famílias, mais imersos em sua cultura, sua música, seus esportes.
Terra - Se o Brasil parece um ótimo mercado de heavy metal para os músicos estrangeiros, o mesmo parece não ocorrer com as bandas locais. Você vê algum grande representante do gênero no País?
Ellefson - Certamente o Sepultura. As pessoas sempre me perguntam se um dia teremos o Big 5 (o Big 4 foi uma turnê realizada em 2009/2010 que reuniu no mesmo palco Metallica, Megadeth, Slayer e Anthrax) ou um Big 6. Há muitos nomes que poderíamos incluir nesse projeto, mas o Sepultura realmente poderia ser um deles, pois a banda dominou o mundo, se tornou conhecida e admirada. O fato de eles terem vindo do Brasil em uma época em que o País se mostrava uma nação emergente, passando por suas próprias mudanças, os tornou ainda mais importantes. Acho que o Sepultura realmente deu enorme contribuição para o crescimento da popularidade do heavy metal entre os brasileiros e acabou entrando para o nicho dos ícones no estilo.
Terra - Você inclusive trabalhou com Max Cavalera...
Ellefson -Sim, trabalhamos juntos em algumas canções do Soufly (para o disco Prophecy, lançado em 2004). A oportunidade foi única, pois pude conhecer sua verdadeira essência e o motivo pelo qual sua música tem o sabor que tem. (O guitarrista) Andreas Kisser e eu também tocamos juntos, em uma banda de covers, e, ao conhecê-lo, entendi como funcionava a dinâmica de trabalho do Sepultura. Foi muito legal ver exatamente como a banda foi criada e como eles acabaram seguindo com seus próprios trabalhos depois da separação.
Terra - Do Brasil para o exterior, então, somente o Sepultura?
Ellefson -Bem, naturalmente estou pensando na maior de todas, naquela que realmente fez a diferença. Mas, claro, há outras. O Angra, por exemplo. O (guitarrista do quinteto) Kiko (Loureiro) é um instrumentista fantástico, no nível de admiração que caras como o (ex-Megadeth) Marty Friedman recebem na América do Norte.
Terra - Aproveitando o gancho de Marty Friedman, gostaria de saber se há algum motivo para o Megadeth ter trocado tantas vezes de formação. Afinal, do início da carreira até aqui, só restaram você e Dave Mustaine.
Ellefson -Isso nunca foi intencional. (O guitarrista) Chris (Poland) teve seus próprios problemas, por isso foi e voltou algumas vezes e agora segue com uma ótima carreira de fusion; o (baterista) Gar (Samuelson), que entrou quase ao mesmo tempo que o Chris, infelizmente acabou saindo junto com ele também, e assim por diante. Acho que o importante mesmo é que sempre procuramos continuar para, assim, fazer o próprio Megadeth seguir em frente. A grande mudança mesmo veio na época do Rust in Peace (lançado em 1990), quando eu e Dave nos sentamos e decidimos que queríamos mesmo era reformar o Megadeth, não apenas com uma mudança de line-up, mas no sentido mais amplo da palavra. Para mim, acima de todas as outras, essa foi a grande formação do Megadeth, tanto musicalmente quanto no sentido de produção.
Terra - E quanto ao line-up atual, com Shawn Drover e Chris Broderick?
Ellefson - O line up atual, além de ser o mais estável de nossa história, é também um dos mais fortes que já tivemos. Dave e eu estamos um pouco mais velhos e, claro, temos muita experiência; Shawn é um excelente baterista, uma pessoa maravilhosa, e Chris também. Além do mais, ambos são pessoas estáveis. Esse é o tipo de coisa que é muito importante quando se é jovem, pois você pode ser um ótimo músico, mas, muitas vezes, não é tão estável, e isso pode levar as coisas a simplesmente explodirem (risos).
Terra - Você também teve problemas no Megadeth, chegando a deixar a banda por quase dez anos - saiu em 2002 e só retornou em 2010. Como é hoje sua relação com Mustaine, o líder da banda?
Ellefson - Dave e eu estamos verdadeiramente indo bem, curtindo a companhia um do outro como dois músicos devem fazer quando tocam juntos. Além do mais, temos o luxo da experiência, o que pode não nos ajudar a saber o que irá funcionar musicalmente, mas nos dá totais condições de saber o que não irá funcionar.
Terra - E quanto ao processo judicial que você abriu contra ele em relação aos direitos do Megadeth depois de sua saída da banda? Isso não interferiu para o retorno?(Nota do Redator: Ellefson perdeu o caso, no qual exigia US$ 18 milhões em indenização a Mustaine)
Ellefson - Sabe, quando voltei para o Megadeth, minha atitude foi: vamos fazer isso pelos fãs. Eles são as pessoas que nos deram essa vida, que nos deram todas as oportunidades. Obviamente que, no início, tivemos a necessidade de fazer músicas para eles gostarem, mas logo percebemos que tudo o que gostávamos de fazer eles acabavam curtindo também. E essa é a realidade até hoje. Então vamos manter as coisas simples e continuar a jornada sem complicá-la.
Terra - Mudando completamente de assunto: sei que, assim como outros nomes do heavy metal, como o próprio Mustaine e Tom Araya, do Slayer, você tem uma relação bastante próxima com o cristianismo. O quão religioso você é?
Ellefson - É algo que eu pratico no meu dia dia. É meio que um retorno às minhas origens como uma criança luterana. Certamente não há nenhum fanatismo de minha parte. É apenas algo normal, de seguir as tradições.
Terra - Por ser um músico de heavy metal, estilo que constantemente aborda temas como magia negra e satanismo, você recebe críticas por causa de sua cristandade
Ellefson - Bem, há dois lados nisso. Acho que, se você realmente leva uma vida de fé, as pessoas percebem e respeitam muito mais do que se você ficar falando sobre o tema o tempo todo. Ao mesmo tempo, não tento impor minhas opiniões aos outros - de fato, eu nunca havia falado a respeito do assunto até a imprensa começar a abordá-lo. Mas é interessante mesmo, porque toco em uma grande banda de heavy metal e a impressão geral sobre o estilo é que é formado por adoradores do demônio (risos). Sabe, de onde diabos veio tudo isso? Nos anos 1980, havia, sim, uma fascinação pelo lado escuro, satanismo e tudo o mais, mas nenhum de nós reverencia o demônio ou faz sacrifícios. Ao menos eu sei que não fiz e nenhum dos amigos que tenho no meio fizeram. Muitos de nós escreveram canções sobre o assunto, mas foi pelo fascínio pelo tema. Além do mais, se você tem o bem, terá também o mal. Até na religião. Se você aceita Deus, o que é bom, você terá também de enfrentar o mal. Essa é a realidade das religiões em qualquer lugar.
Terra - Para finalizar: existe uma afirmação antiga, disseminada tanto entre músicos quanto entre fãs, que diz que os admiradores de heavy metal são os mais fiéis dentre todos os outros estilos. Você concorda com isso?
Ellefson - Acho que sim. Há certos estilos e gêneros musicais que realmente falam a linguagem das pessoas, e o heavy metal com certeza figura entre eles. Acho que o jazz - não o mainstream, mas aquele mais eclético, menos conhecido - é outro. Na música erudita, acho que ocorre o mesmo. Para mim, essa é a beleza do Megadeth: nós envolvemos todos esses estilos. Temos rock, metal, progressões jazzisticas, punk rock, elementos eruditos. Então eu entendo por que há um fascínio musical com o que fazemos, pois tentamos aplicar influências de todos os estilos para criar nossas canções.

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Sou bancário (e isso é muito ruim, acreditem), guitarrista e vocalista da banda Raiobitz (Rio Claro-SP), colaborador do Whiplash.net e pai em horário integral. Curto rock e todas as suas vertentes desde que me entendo por gente e quero compartilhar dessa paixão.